domingo, 8 de fevereiro de 2009

Meu Vizinho é um Zumbi, por Heloisa Galvez

Ele desconfiava, e dizia toda hora pra mãe: -Mãe, tenho certeza que o Denis é um zumbi! A mãe, jornalista e muito cética preocupava-se com a cabeça fértil de seu filho, pesquisou algo sobre a cultura vodu e foi além, conversou com cientistas religiosos, teólogos e outros “quitutes” com etiqueta, desses que jornalistas empíricos adoram. -Mãe tenho certeza absoluta que o Denis é um zumbi. -Zumbis não existem filho, a mamãe é jornalista e você deveria prestar mais atenção ao que eu digo. -Não adianta mãe, tenho certeza...-é um zumbi. O filho de 14 anos era o oposto da mãe, nascido na era do vídeo game e jogos de computador, projetava no mundo ao seu redor o que lhe incutia na mente tanta diversidade ficcional. O bom e o mau eram a mesma coisa pra ele, o mocinho nem sempre precisava ganhar no final, e a vida era uma atração viva de heróis , monstros, delicias e horrores. Ele não necessitava de uma tela de cinema, tudo em sua vida era um “faz de conta” real. -Vou descobrir porquê o Denis é um zumbi. Disse ele. A mãe desesperou-se por uns minutos, depois decidiu ver esse Denis mais de perto. -Me mostra o Denis querido. -Mãe! –você conhece o Denis!-é aquele menino com cara de morto-vivo que mora no 52. A mãe lembrou de ter topado com um menino estranho com uma cara esverdeada e esquisita umas duas vezes no elevador. Pensou ser alguma doença, e nunca questionou. -Ai filho!- já li sobre vodu e zumbis e sei tudo sobre eles; zumbis na verdade são... Antes que a mãe desse sua explicação cartesiana, o menino já estava no elevador. Deu nos ombros. Seu cérebro racional não alcançava que seu filho não queria sair da história, não queria deixar de acreditar, e por essa imposição do inconsciente, nenhuma explicação por mais inteligível que fosse iria lhe caber. Será tão difícil entender isso? Para ela era. O menino concebeu em sua mente que se Denis era um zumbi, sua mãe deveria ser uma “Mambo”, ou seja uma sacerdotisa vodu, e criou todo enredo dessa história, e ele pensava assim: “Denis morreu há muito tempo, doença acidente, não importa. A mãe ficou inconformada e quis ter o filho de volta, a única maneira era trazê-lo como Zumbi, então se engajou em alguma seita Vodu, tirou o menino da tumba, e preferiu tê-lo abobado,mas ao seu lado, do que não tê-lo mais. Os anos passaram e ela cada vez mais enxertada na seita, agora já era Mambo, como Mambo tem poderes imensos, quero ter esses poderes também, e para agradar a mãe mambo, nada melhor do que começar, agradando o filho querido e abobado” É uma explicação de um menino que acredita que o amor de uma mãe por um filho pode ser maior que a natureza das coisas. Túmulos, fotos e armários com roupas choradas do filho morto. Tocou a campanhia da casa do Denis. “Mãe Mambo” atendeu: -Oi filho, quer ver o Denis? -Sim, ele está? Ele sabia que se a mãe estava ele também estaria, era um bom psicólogo. -Ta no quarto brincando, vai lá. Foi, encontrou Denis desenhando. Tentou uma aproximação tácita. -Posso brincar?- Posso fazer uma casinha? -Casinha?- isso é brincadeira de mulher, faz uma nave espacial! O menino estranhou. “Denis deve ter visto algum filme de extraterrestres ontem” -Denis, porquê uma nave? -Pra lembrar do meu planeta. Ele entrou na brincadeira. -Você não é da terra? –putz!-você é um E.T? -E você não sabe?- Minha mãe me encontrou numa cápsula, ali, perto do cemitério, eu tinha uns dois anos. Pronto. A história estava cerzida; Denis morreu com dois anos e a mãe o desenterrou. Para dar uma explicação menos arrepiante para o menino, fez o contrário, deu-lhe o cargo de ser de outro mundo, o que também se adequava a sua cor esverdeada. “Esperta essa mãe Mambo” -Puxa cara!- de que planeta hein? -Não sei o nome, mas sonho com eles todas as noites, sei que vêem me buscar quando eu completar 15 anos. -Por isso desenha naves? -Desenho as naves depois que sonho com elas. Tirou de uma gaveta uma pasta gorda cheia de desenhos. Os desenhos eram realmente bons. -Puxa cara!-você desenha bem pra caramba!-não joga vídeo game? -Não, é muito fácil pra mim... -Duvido você ganhar de mim no Space War III ! -Se eu ganhar, o que você me dá? “Zumbizinho interesseiro” -O que você quiser! Ele sabia que ninguém ganhava dele nesse jogo. -Se eu ganhar, você vai comigo pro meu planeta.-eles querem um menino humano, não sei porque, acho que essa é minha missão aqui. O menino nem ligou pr aquela história intergaláctica. -E se eu ganhar? -Isso é impossível. -Digamos que eu ganhe?-você me conta todos seus segredos? -Já contei. -Outros mais? -Tudo que você quiser saber. Começaram o jogo, logo o menino percebeu que Denis não jogava tão mal, depois viu que jogava bem, constatou no final que ele era bom demais. Denis ganhou. O menino ficou aturdido. “Um Semi-morto ganhou de mim!” -Meu, cara!-Nunca ninguém ganhou antes de mim! -Isso não é nada, vai aprender coisas que nunca pensou no meu planeta. O menino desesperou-se, entendeu tudo num segundo, Denis e a mãe iriam forjar tudo, o levariam a um cemitério e fingiriam que a nave pousaria ali, o matariam em algum ritual vodu e o enterrariam. Depois de dois dias o tirariam da tumba e fariam com que virasse zumbi. Era isso! -Bom Denis, valeu, você é o cara!-agora tenho que subir pra fazer lição de casa. -Pra quê?- nem vai à escola amanha! -Porque não? -Amanhã faço 15 anos, vamos embora. a nave pousará a meia-noite atrás do cemitério, ninguém sabe, segredo. “Tô frito” -E sua mãe?-vai junto? -Só vai pra se despedir. O teatro consolidou-se. O menino correu, subiu pelas escadas do prédio com um único pensamento, precisava fugir dali, ou viraria um zumbi. -Mãe! Não encontrou a mãe, só um bilhete sobre a mesa “amor tive que viajar às pressas pra fazer uma matéria, volto na quinta, Rosalina ficará com você”....Beijos: mamãe. “Na quinta já serei um zumbi! Que faço meu deus?” Tentou pensar, nada lhe vinha a mente, ficaria verde pra sempre. Resolveu escrever uma carta pra mãe, dizia que se voltasse verde e abobado é porque Denis e sua mãe lhe jogaram um feitiço, explicou toda história. Pediu perdão pelas grosserias e disse que tentaria ser um bom filho zumbi. Não dormiu a noite toda, pensou que afinal não era tão ruim ser zumbi.Denis ganhara Space War com uma facilidade que nunca viu igual. Zumbis podem ser inteligentes, formariam uma nova raça esverdeada e dominariam o mundo. Dormiu. Acordou com alguém o chacoalhando. -Você dormiu demais!- hora de ir! -Como que horas são? -Onze da noite, eles devem estar chegando. O menino acordou zonzo, veio um medo imenso, a tumba, a poção, ser enterrado vivo. -Denis, eu preciso mesmo ir? -Sim, quer ficar neste planeta de tontos? Pensou que este era um bom argumento. Foram. Chegaram perto do cemitério quase meia noite, o menino estranhou que não entraram, deram a volta por trás e pararam num imenso terreno baldio. “Mãe Mambo” chorava agarrada ao filho: -Meu amor, mande notícias se puder... Denis abraçava a mãe e incrivelmente também chorava: -Eu volto mãe, um dia volto pra te buscar... Nesse instante uma nave materializou-se diante deles. Não era grande como o menino estava acostumado a ver no cinema, ao contrário, pareceu-lhe muito pequena. De dentro saiu um ser com aparência normal, parecia humano, a única diferença era a pele levemente esverdeada. -Olá Denis. -Oi Dr. “Z”. -Esse é seu amigo? -Sim, é ele que irá conosco. O “homem” abaixou-se: -Denis, infelizmente, não posso levar você agora, ainda tem uma missão muito importante nesse planeta. Denis frustrou-se -Sim meu pequeno, monitoramos lá de cima uma estranha seita chamada “Makaya”,uma dissidência maléfica de religiões haitianas, usam magia negra, e vimos que estão se alastrando pelo mundo. -Como assim? O menino interessou-se. -Simples, esses falsos mestres, dão às suas vítimas uma bebida; um condutor que leva a um sono tão profundo que todos pensam que está morta. Ela contem veneno de rã, de baiacu entre outras coisas, está tudo anotado aqui. Estendeu uma espécie de chip para Denis e continuou: -Todos pensam que a pessoa morreu, e a enterram. -depois de alguns dias os feiticeiros bokors a retiram da tumba, dão uma espécie de antídoto e a criatura recobra os sentidos, porém fica abobada e escravizada, um morto vivo entendem? O menino gritou eufórico! -Sim, viram zumbis! O estranho olhou para ele admirado: -Vejo que seu amiguinho é a pessoa certa para ajudar você Denis!-escolheu bem! Denis orgulhou-se. Bem, está nas mãos de vocês acabar com este culto terrível que quer dominar o mundo! –todas as informações estão no chip.-agora tenho que ir. -Ah, antes. E virou-se para o menino -vou dar a você outro chip e esse pequeno neuro-transmissor, quando quiser se comunicar conosco para passar informações é só coloca-lo no pulso.-vi que você será muito útil. -Uau! A nave partiu. Deixou ali uma mãe aliviada, um ET decepcionado e o elemento que faltava; um menino louco pra pegar esses zumbis. Dentro da nave o companheiro do “homem” falou: -Como sabia que esse menino era o fio condutor? -Mãe jornalista e cética. -Claro! E bateu nas costas do outro.

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